terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Beco [2]


Entrou no beco. Uma claridade sobrenatural era irradiada pela Lua. A pele já inumanamente branca daquela delicada figura angelical refletia a pálida luz, criando uma aura a sua volta que confirmava que se tratava de uma divindade. 

Seus belos olhos verdes procuravam desesperados por uma rota de fuga em meio a latas de lixo, cheias, jogadas pelos cantos. Avistou, no fim da ruela sem saída, uma escada de incêndio. Precipitou-se em direção a ela, porém por mais que corresse, o seu portal de saída daquele inferno parecia não se aproximar. Quanto mais corria, mais aquele corredor putrefato se alongava, o vácuo formado engolindo toda e qualquer esperança de escapatória. Não alcançaria a escada a tempo.

Tropeçou. Seu salto de camurça azul prendeu em um buraco do pavimento irregular. Um rato guinchou, se afastando o mais rápido que pôde. Uma figura apareceu contra a luz de um solitário poste da rua. Ficou paralizada enquanto via seu assassino se aproximar lentamente. Era uma silhueta disforme que segurava um revólver reluzente. Ela se encolheu o máximo que pôde no chão frio e úmido do beco. Nada mais existia, só ela, A Sombra e um solitário rato espectador, todos imersos naquele abismo de escuridão e desespero silencioso.


Aquele era o seu fim; querendo ou não, morreria aquela noite tão solitária, naquele antro nauseabundo. Mas, estranhamente, essa ideia não a assustava. O fim trágico de uma bela jovem em um beco qualquer soava-lhe ironicamente poético. Cedeu.


O executor ergueu a arma. Mal sabia que estava prestes a criar uma mórbida obra de arte. Pronunciou o disparo. Estava feito, o corpo ainda quente da ruiva se esparramou pelo chão, e uma vez neste, pareceu que a ele sempre pertenceu. Os cabelos escarlate e o forte batom cor-de-sangue nos voluptuosos lábios garantiriam-lhe vida eterna. Suspirou o seu último sopro de vida como quem assina uma obra-prima.


O rato se aproximou para dar a primeira mordida enquanto a carne ainda não esfriava.

Clara, o crocodilo

sábado, 24 de março de 2012

O que aconteceu com os músicos?

Não é segredo pra ninguém que a política, no Brasil, anda muito mal. O mesmo vale para questões sociais, tal como desigualdade social, violência, fome... Mas já passamos por tempos piores. Não acredita?  Em 31 de março de 1964 instaurou-se a Ditadura Militar no Brasil, e com ela veio o progresso e... a repressão a qualquer opositor? Isso mesmo, foi um período político e social no Brasil deveras paradoxal: de um lado a economia, que ia muito bem, obrigado, e do outro os 'comunistas subversivos' ou, como deveriam ser conhecidos, os corajosos heróis que arriscaram suas vidas em nome da liberdade de pensamento. Quando o Presidente da República foi deposto pelo exército, jovens saíram às ruas em nome da Democracia.

Mas onde entram os músicos nisso? Eles serviram de catalizadores para os movimentos estudantis. E passaram por maus bocados por causa de suas músicas: Gilberto Gil e Caetano Veloso foram exilados, Chico Buarque fugiu do país por ser ameaçado pelo Estado, e diz-se que Geraldo Vandré foi torturado.
Mas para que sofrer tanto? Podiam muito bem ter evitado tudo isso contentando-se com o lucro proveniente de músicas bobinhas e inofensivas. Mas não, lutaram, e ganharam. Cumpriram seu papel de abrir os olhos da população. Músicos preocupados, ouvintes conscientes.

O problema é que o inverso também é válido: artistas desinteressados, fãs cegos. Cegos e impotentes, que não conseguem enxergar um palmo à sua frente, que não identificariam um problema no meio em que vivem nem se batesse em suas caras. Esse efeito entorpercedor é causado pelos atuais músicos que lideram as paradas, que por sua vez são controlados pela mídia. De que interessa a Usher, por exemplo, criticar a situação de marginalização de grande parte da população negra nos EUA - condição pela qual ele mesmo já passou - se seu próprio lucro está garantido enquanto criar músicas vazias? Pessoas cada vez mais apolíticas vêm subindo no conceito da população por intermédio de empresas, e isso torna o povo mais impassível ao que acontece à sua volta, incluindo o que o afeta.

Claro que você pode vir me dizer que, na história da arte, sempre houve aqueles que somente visavam o lucro. E vou concordar. Porém - e esta é a questão principal - esse tipo de artista agora é mais valorizado que verdadeiros pensadores. A simples busca pela fama e dinheiro parece ser o motivo de sua ascensão. Claro que ainda existem verdadeiros mestres da forma e conteúdo surgindo, tal como Thom Yorke, digno de comparação a John Lennon, contudo a quantidade e popularidade de indivíduos como ele não são grandes o bastante para superar o muro de ignorância criada na cabeça dos consumidores do atual mercado da música.

Gostar ou não de uma música agora tornou-se uma forma de posicionamento político; melhor dizendo, tornou-se um divisor de águas entre os que têm qualquer desejo por agir politicamente e os que são politicamente castrados, cuja participação em causas sociais dá-se somente por puro capricho. E o primeiro grupo é cada vez mais escasso. Não vai-se resolver os problemas de um país com um punhado de pessoas aptas a promover mudanças: precisa-se do apoio de todas as classes sociais, do favelado que tem que roubar para comer até a filha do banqueiro, que sente algo no coração ao ver um sem-teto, mas não sabe o que é. Só que desde o trabalhador com dois empregos até a bela abonada há alienação, todos ouvem músicas sem qualquer conteúdo crítico ou estético que possa fazê-los pensar, sobre o que quer que seja.

Então músicos, o que estão esperando? Temos um país para mudar, e isso é de interesse de todos. Quebrem as correntes que os prendem às tiranas gravadoras e libertem-se. Ou então, caso não tenham coragem de sair de sua zona de conforto, abram espaço para aqueles que estão dispostos a renascer a música e o caráter crítico na população.




sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Beco

Entrou no beco. Uma claridade sobrenatural era irradiada pela Lua. A pele já inumanamente branca daquela delicada figura angelical refletia a pálida luz, criando uma aura a sua volta que confirmava que se tratava de uma divindade. Sabia que não sairia daquele beco viva, e que aquele fora o último erro que cometeria em vida.

Seus belos olhos verdes procuravam desesperados por uma rota de fuga. Avistou, no fim da ruela sem saída, uma escada de incêndio. Precipitou-se em direção a ela, porém por mais que corresse, o seu portal de saída daquele inferno parecia não se aproximar. Não o alcançaria a tempo.

Tropeçou. Seu salto de camurça azul prendeu em um buraco do pavimento irregular. Ficou paralizada enquanto via seu assassino se aproximar lentamente. Era uma silhueta disforme que segurava um revólver reluzente. Ela se encolheu o máximo que pôde no chão frio e úmido do beco.

Não havia escapatória, ela iria morrer aquela noite, naquela viela, querendo ou não. Mas estranhamente essa ideia não a assustava. A morte sempre a provocou curiosidade, e agora que se encontrava face a face com ela, parecia-lhe sedutora. O fim trágico de uma bela jovem em um beco qualquer soava-lhe ironicamente poético. Cedeu.

O executor ergueu a arma. Mal sabia que estava prestes a criar uma mórbida obra de arte. Pronunciou o disparo. Estava feito, o corpo ainda quente da ruiva se esparramou pelo chão, e uma vez neste, pareceu que sempre pertenceu-o. Os cabelos escarlate e o forte batom cor-de-sangue nos voluptuosos lábios garantiriam-lhe vida eterna. Deu seu último suspiro em nome da poesia.

-Da escrivaninha

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A importância dos estudos históricos

A natureza humana é imutável: voltando no tempo, percebemos que todas as sociedades tendem a buscar o poder e a temer do desconhecido. Uma vez que cada grupo fez diversos avanços em relação a esses aspectos, nada mais sábio do que coletar tal conhecimento para nossa própria evolução.

Não faltam imperadores, ditadores, reis e governantes inescrupulosos na história, assim como também existem inúmeras manifestações em nome da igualdade e da liberdade. Um dos objetivo do estudo do Homem no tempo, logo, é conscientizar a humanidade de que o autoritarismo é exclusivamente danoso à liberdade individual e, portanto, deve ser combatido, além de tentar buscar os pontos positivos e negativos dos diversos movimentos democráticos, assim permitindo que se possa dar à luz a sistemas cada vez melhores.

A história não tem somente uma atuação social, mas também religiosa, filosófica e científica. Levemos em consideração a questão da morte, por exemplo. Tal evento intriga e faz o Homem refletir a respeito desde o surgimento deste na Terra; temos à nossa disposição hoje registros da meditação sobre esse tema que datam na Era Paleolítica. Há muito conhecimento acumulado quanto a esse tópico. É ilógico, no mínimo, recomeçar tal estudo que acompanha a humanidade desde o berço. É aí que entra a história: com ela, podemos ter como ponto de partida o limite do conhecimento dos Antigos.

É por esses motivos que a história deve ser valorizada: porque, se não fosse por ela, o Homem ainda não teria saído das cavernas, redescobrindo o fogo a cada geração.

-Da escrivaninha

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Vida Supérflua

"Nossa, aquela mina tem uma puta bunda", "tô pensando em colocar 300 ml em cada peito", "peguei 5 na balada ontem!"... Quem nunca ouviu algo do gênero? Tais frases retratam a forma de raciocínio da sociedade atual. O exagero é uma forma de garantia da felicidade, sem se preocupar com a menosprezada importância do pequeno. Sem querer me aprofundar no tema, o ideal de dar maior valor à quantidade à qualidade surgiu da Revolução Industrial: artesãos especializados foram trocados por trabalhadores sob pressão que não dominam o ofício, produzindo mais que o antigo mestre, só que sem a individualidade característica da dedicação presente em seu trabalho. Claro que não demorou para que o consumidor passasse a acreditar que realmente valesse mais a pena comprar por um preço mais baixo, mesmo com a queda de qualidade... e menos ainda para que tal ideal infiltrasse nas mais diferentes situações.

Arrisco dizer que o Jovem médio não consegue sentir as delicadezas do amor. Digo até mais, ele é inibido de perceber as sutilezas que o rodeiam e que lhe proporcionariam uma felicidade sem precedentes. Quem desconhece o prazer de, ao andar pela rua, parar para contemplar uma florzinha que cresce corajosa e desafiadoramente do asfalto, ou até de reparar numa nuvem com uma forma inimaginável, beirando uma loucura romântica, não tem conhecimento da verdadeira beleza da vida, pois não compreendem os pequenos (e belos) detalhes que a compõe.

O mesmo vale para aquele que não consegue desfrutar de um amor de verão. O desejo carnal não tem relação com ter o maior número de parceiros possível, e sim com a sintonia das almas, tanto no plano terreno quanto espiritual; o desejo ardente de possuir um ao outro, seus corpos, seus sentimentos. Quando se está focado no objeto amado (não se trata apenas de amores), se preocupando com a qualidade e profundidade da interação entre os dois, sem se preocupar com quantas vezes vai acontecer, pode-se atingir níveis de prazer e contentamento enormes, sem contar que cada experiência é única - já que, nesse caso, há uma diferenciação entre os objetos desejados (voltando ao exemplo do romance, agora é levado em consideração as diferentes personalidades dos amantes, seus desejos, suas diferentes intensidades) - , o que enriquece a alma.

Prestar atenção nos detalhes da existência só pode fazer bem; cada um tem experiências únicas, o que resulta em diferentes formas de ver o mundo. E, por ter o belo costume de trocar experiências, o Homem vai cada vez se tornando mais variado e completo, pois absorve parte do visão de mundo do próximo. Mas claro que isso só é viável se as pessoas forem diferentes entre si e tiverem vivido situações diferentes, ao invés de terem seguido vidas parecidas e vazias de significado.

-Da escrivaninha


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Cigarro

Não fumo, nunca fumei e não pretendo fumar. Só por ser uma forma de autodestruição já não vale o uso, por qualquer que fosse a recompensa. Mas a prática é ainda mais estúpida quando se leva em consideração que o indivíduo está trocando sua vitalidade por uma pequena porção de relaxamento, proporcionado pela infame nicotina.

Não sou moralista, nunca fui. Acredito veemente que cada um deve seguir a sua vida a seu bel-prazer... desde que não afete negativamente a vida de terceiros. E é aí que mora o maior problema da discussão que envolve o fumo.

Antes de mais nada, acho importante que saibam porque estou escrevendo este texto: a vizinha de baixo, fumante religiosa, resolveu "tirar um minuto pra relaxar", impossibilitando que eu abra a janela para deixar o ar entrar, e isso em pleno verão. Eu pessoalmente odeio o cheiro que invade o meu quarto... Devo morrer de calor em nome do pequeno vício do próximo? Infelizmente a resposta é sim, uma vez que depende única e exclusivamente da noção dos outros de vida em sociedade.

Quando digo que devemos aceitar essa invasão por parte de um certo grupo de fumantes mal educados de um bem público que é o ar que todos dividimos, quero dizer que, primeiramente, que o projeto de lei referente ao fumo em determinados locais já foi o mais longe que poderia e deveria - uma vez que, se englobasse mais situações para a proibição, feriria os direitos do cidadão -  e, em segundo lugar, que não se deve causar um conflito, tal como uma briga, por causa de um maço de cigarro fumado no parapeito da janela, principalmente porque o assunto não é de tal ordem. Assim, a alternativa viável é um diálogo racional, sem  pressão (mas claro que nem sempre funciona, e para com esse tipo de gente é preciso ter paciência).

Mas é claro que nem todos os fumantes (e provavelmente também não é a maioria) são desrespeitosos em relação ao próximo, assim como uma boa porção de não-fumantes é ignorante a seu modo. Não é a prática (ou o vício, no caso de uma parcela) que faz a pessoa, e sim a forma como pratica. Procure ser uma pessoa respeitosa para com o próximo, fumando ou não; quem sabe um dia podemos alcançar uma sociedade melhor...?

-Da cama

Introdução ao Ensaios do Cotidiano

Boa tarde, caros leitores 


Quer dizer, pelo menos suponho que estejam lendo este post no período da tarde, já que ninguém acorda com disposição para ler experiências textuais de um amador, e ainda por cima iniciante.

Sendo esse o meu primeiro post, acredito que eu deva algumas explicações a vocês, já que vão acompanhar (espero) meus estudos.

Nos últimos tempos tenho me deparado com uma pergunta: o que vou fazer da vida?  E isso não só profissionalmente! Que estilo de vida seguirei, que hobbies, que amigos pretendo cultivar? Cheguei à conclusão de que a vida de jornalista é a que mais me convém. Só que cheguei num impasse. Apesar  de ter o espírito apaixonado do jornalista, ler bastante, ter capacidade de argumentação e escrever relativamente bem, não tenho tanta experiência quanto gostaria em relação a textos abertos, com um tema tirado da minha própria cabeça. Essa é a idéia principal desse blog, claro que sempre mantendo uma agradável informalidade e a paixão do ofício. Pretendo postar textos, ora de âmbito filosófico, sociológico, ora (mais raramente) contos curtos, semanalmente, e adoraria se vocês os comentassem, compartilhando desde críticas até impressões, sentimentos, sacações que eles possam despertar em vocês.
     

Um abraço!

-Da cama